sexta-feira, 31 de julho de 2009

Incomparável

Minha última experiência com o amor me deixou uma chaga. E nem o mais poderoso elixir trouxe de volta o rubor de antes. Emplastos, placebos e beberagens não serviram de remendo, posto que o passado não tem remendo nem emenda nem nó, não tem nada a não ser buraco negro de vácuo lancinante tragando o NOVO e o DE NOVO.
De um ovo, um pássaro e suas plumas preto-pixe embaçadas por trás de minhas lágrimas.

Um passáro se alimenta de vôo.
O buraco se alimenta de soro.

E lá vai ela pelo azul-ciano enquanto sorvo água e açúcar-sal na purulenta taça.

O vôo é sazonal.
A dor não.

Verão-Outono-Inverno e seu retorno na minha Primavera amena. Traz ramos no bico, e os deposita em alicerces dentro de minha chaga. Retiro a construção e reclamo o alvará. Teima e se põe a obrar na escuridão de meu sono. Abro os olhos e percebo que se aninhou. Seu calor apazigua as minhas angústias, o pretume impermeável barra as lágrimas que ainda vertem.

Ela tem asas.
Eu não.

Alça vôo e deixa o ninho e a chaga sob meus antigos cuidados, a lembrança de outro amor que se foi, a promessa de retorno na próxima amena-estação. Me precipito numa desesperada conclusão comparando os dois objetos de divergentes naturezas, comparando o que não tem comparação.

Quem ama é livre.
Quem voa não.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Onírico

Ao sair para o meu usual intervalo de exatos vinte e cinco minutos do meu direito de proletária, algo me tirou daquele torpor maquinal. Encontrei, parada diante da portaria 2 uma moça de olhos dispersos e introspectivos que tentava arrancar uma informação do segurança – manequim. Notou o meu crachá e veio em minha direção, Aonde está a “árvore dos sonhos”? Não entendi. Precipitou uma explicação, Aquela que fazia parte da exposição japonesa, Onde ela está? Desculpa moça, mas essa exposição já foi desmontada. Percebi o pesar em seus olhos e soltei algo displicente, Você queria colocar um sonho na árvore? Não... Queria resgatar o sonho de minha avó, o que foi feito com a árvore? Não sei moça, não tenho idéia, mas provavelmente... A minha avó faleceu... Me comovi, Vou até a administração e prometo voltar com uma resposta sobre o destino da árvore. Aquele não era o meu departamento. Nem a exposição japonesa, nem a árvore, nem os sonhos, mas fui mesmo assim.

Juliana, as árvores dos sonhos fazem parte de uma tradição japonesa, uma lenda, onde dois deuses-estrelas se apaixonam e só conseguem se encontrar em Julho, é nessa época que a árvore, juntamente com os sonhos, deve ser queimada, para que a fumaça chegue às vistas dos deuses enamorados. Foi a resposta que obtive de minha chefe. Atearam fogo no sonho da avó e no sonho da moça.

Fui de encontro aos olhos novamente, Moça, desculpe, mas segundo a tradição, a árvore deve ser queimada... Olhou para baixo e soltou um suspiro e um Muito obrigada moça... Senti que devia dizer algo, mais para constar que para consolar, Moça...a sua avó depositou seu sonho na árvore com todo o fervor que poderia ter, Nunca saberemos o seu último desejo, a árvore foi queimada, Mas tenha a mesma fé de sua avó que esse sonho se realizará, Fiquemos por hora com a fumaça, mas você perceberá claramente quando ela se dissipar. Ganhei um abraço tímido.

Maquinalmente voltei ao meu posto, maquinalmente me dirigi ao canto mais escuro da exposição e maquinalmente comecei a chorar. Não um choro de tristeza, mas um choro de algo que foi preenchido inexplicavelmente e que queria transbordar. A máquina chorara, sonhara e teve novamente fé.

Confesso que são tempos difíceis para os sonhadores. São poucos os que sonham, e não falo dos mesquinhos sonhos materiais. Falo antes dos sonhos mais intangíveis, aqueles que transcendem a existência corpórea. Os sonhos movem o mundo. Alguém sonhou e fez a roda, um sonhou e elaborou a teoria da relatividade, outro sonhou e resolveu dar bom dia a todos na rua. Um sonhou e inventou a máquina. Outro sonhou que podia sonhar novamente e a máquina chorou óleo.

A vida é como uma caixa de chocolates...

...Você nunca sabe o que vai encontrar. Nem QUANDO vai encontrar um sujeito sentado no banco de um ponto de ônibus que resolve contar a história da sua vida. Você pende entre a admiração e a séria desconfiança de estar diante de um esquizofrênico, mas ainda assim a história o atrai. E o seu ônibus chega. Você abandona o livro incompleto, mas o seu caminho deve seguir.

A História não é só o relato dos grandes feitos. Cada pequeno Forrest em seu banco é um agente histórico.

A intenção deste blog é fazer com que as histórias se cruzem. E se descruzem assim que o ônibus chegar...